Os desafios que as tecnologias digitais têm imposto à vivência humana e à vida democrática tornaram socialmente relevante e pedagogicamente urgente que se implemente uma educação para o entendimento da condição civilizatória em que estamos imersos. É o que a Unesco define como Media and Information Literacy (MIL), ou Alfabetização Midiática e Informacional.
Nesse sentido, são bem-vindos os esforços voltados a entender a especificidade do problema em foco, como foi o caso do pesquisador colombiano Tomás Durán Becerra ao conceder à Folha de S.Paulo uma entrevista, publicada na edição de 20 de agosto, por ocasião de sua visita à capital paulista, momento em que participou de um evento promovido pela Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca).
Em uma das perguntas dirigidas ao colombiano, a repórter Laura Mattos faz uma breve menção à “Educomunicação”. A forma como o termo foi colocado pode suscitar dúvidas em quem não esteja suficientemente familiarizado com o assunto. Esta é justamente a razão pela qual a ABPEducom se manifesta. Vamos, pois, ao diálogo entre a jornalista e o pesquisador.
Pergunta e resposta
A entrevista — intitulada “Contra fake news, sociedade tem que ser alfabetizada para a mídia, diz pesquisador” — teve em seu início a seguinte pergunta: “A ideia de uma educação para a mídia não é nova, e alguns anos atrás era chamada de educomunicação. O que há de diferente agora?”
Em sua resposta, o entrevistado não se deteve em analisar o significado dos termos em questão, dando por certo que uma ultrapassada Educomunicação, envolvida com a mídia tradicional, estaria dando lugar, hoje, a uma atualizada Educação Midiática, preocupada com o universo digital.
Afirmou o entrevistado: “Consideramos que [a alfabetização midiática] seja uma evolução do conceito da educomunicação, como um esforço para fortalecer a educação para a mídia e para a informação”. E justificou: “Não falamos agora apenas dos modos mais tradicionais de informação e da comunicação”. Concluindo: “Hoje em dia, alfabetização para a mídia tem a ver com a quantidade de dados que os aplicativos reúnem (localização, contatos, fotos), com a proteção desses dados, privacidade, entre outros temas”.
Em síntese, para o especialista colombiano:
1) O conceito de “alfabetização para a mídia” é mais atual, sucedendo, no tempo, o uso da expressão “Educomunicação”;
2) A Educomunicação trabalharia com a mídia tradicional (talvez as analógicas) enquanto a “alfabetização para a mídia tem a ver com a quantidade de dados que os aplicativos reúnem”.
Durán Becerra e a contemporaneidade da Educomunicação
O pesquisador Tomás Durán Becerra dedicou seu doutorado na Universidade Autônoma de Barcelona, em 2016, ao tema da “Alfabetização Midiática e Informacional (AMI) na América Latina”. Apesar de não ter incluído nem a prática nem a produção acadêmica brasileira sobre o assunto, reconhece, na pág. 90 de sua pesquisa, que o termo “Educomunicação” havia sido semantizado (“acuñado”) no Brasil, numa linha próxima ao pensamento de Paulo Freire. Na sequência, na pág. 94, descreve a educomunicação como uma “disciplina viva” (aqui se usa preferencialmente a expressão “paradigma”), que se envolve tanto com os processos educativos em seus diferentes eixos transversais quanto com a alfabetização (“lectoescritura“) digital.
Nesse sentido, ao tratar da relação entre o novo campo e a área da literacia midiática, o autor reconhece que existem diferenças de abordagens, mas não antagonismos, ou mesmo algum tipo de supremacia entre um e outro, levando em conta que as relações entre as duas práticas são transversais e complementares.
Em sua dissertação de mestrado “A Alfabetização digital midiática e o desafio das TIC na Colômbia: diagnóstico e análise das principais iniciativas educomunicativas no cenário 2.0“, defendida na mesma Universidade de Barcelona, em 2012, o autor já havia reconhecido a contemporaneidade da Educomunicação, indicando que o conceito se voltava a toda forma de comunicação, incluindo a digital.
É o que o pesquisador reafirma, textualmente, na pág. 27 de seu trabalho, indicando que as TIC, hoje, são a base das práticas educomunicativas. Mais adiante, na pág. 31, o autor elege o conceito da Educomunicação como referencial para classificar as diferentes modalidades de oferta de produtos e processos da Web, na Colômbia, no que diz respeito a procedimentos como interação, produção, consumo e navegação. São suas a palavras: “A educomunicação não pode ser entendida como algo alheio ou estranho ao fenômeno mutante intrínseco à rede, na Internet” (pág. 32).
Frente ao encontrado, passamos a imaginar que a resposta dada por Durán Becerra à pergunta da entrevistadora possivelmente não tenha sido devidamente entendida pelo pesquisador colombiano. Ou, pela escassez de tempo, o próprio entrevistado tenha preferido passar ao largo da pergunta.
Para a USP, Educomunicação é essencialmente inovação
Tanto quanto Durán Becerra, a própria USP reconhece a Educomunicação como inovação no âmbito das Ciências Humanas e das Tecnologias da Informação, ao incluir a área na primeira edição do Prêmio USP Trajetória pela Inovação, rememorando a expansão do conceito pelo país — onde, em muitos territórios, acabou por converter-se em política pública. Este fato justificou a criação de um curso de graduação voltado expressamente para o novo campo, a Licenciatura em Educomunicação, abrigada pela Escola de Comunicações e Artes da própria universidade, desde 2011.
Passados 20 anos da pesquisa em que o Núcleo de Comunicação e Educação (NCE/USP) ressemantizou o termo Educomunicação, um total de 329 pesquisas (mestrados e doutorados) foram produzidas em 101 programas de pós-graduação, no Brasil, conforme informação do banco de teses da Capes.
Imagem: pikisuperstar/Freepik
Reprodução: ABPEducom
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